A Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e o Centro Cultural
Banco do Nordeste-Fortaleza (Rua Floriano Peixoto, 941 – Centro – fone: (85)
3464.3108) apresentam, em conjunto, a vídeo-instalação “O Legado da Coruja”, do
artista parisiense Chris Marker, com curadoria de Moacir dos Anjos. Gratuita ao
público, a exposição ficará em cartaz de 31 de outubro (quarta-feira), a partir
das 18h, até 1º de dezembro (sábado) deste ano, no 2º andar do CCBNB-Fortaleza
(horários de visitação: terça-feira a sábado, de 10h às 20h).
A exposição O LEGADO DA CORUJA dá seguimento ao projeto Política da Arte, desenvolvido
pela Coordenação de Artes Visuais da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e
Arte (MECA) da Fundação Joaquim Nabuco e a parceria com o Centro Cultural Banco
do Nordeste. Iniciado em
2009, o projeto compreende a realização de mostras e ações reflexivas,
articulando dimensões distintas, mas igualmente importantes, das atividades da
Fundação Joaquim Nabuco. O projeto Política da Arte tem como pressuposto a
noção de que mais do que dar visibilidade a imagens, textos e ideias criados em
outras partes, a arte é capaz de, a partir dela mesma, desafiar os consensos e
acordos que organizam e apaziguam a vida. Ao embaralhar os temas e as atitudes
que a cada lugar e momento cabem no campo do possível, a arte aponta para a
possibilidade do novo e tece a sua própria política.
Texto curatorial (por Moacir dos Anjos)
O Legado da Coruja (L’Héritage de la Chouette)
é um dos mais instigantes e dos menos conhecidos dos muitos projetos realizados
pelo cineasta francês Chris Marker ao longo de uma trajetória de trabalho que
já conta seis décadas. É sua mais ambiciosa intervenção no meio televisivo e
foi exibido originalmente nas televisões francesa e inglesa, em 1989, como uma
série de 13 episódios. Depois disso, foi mostrado apenas algumas poucas vezes
em festivais de cinema e exposições, sendo inédito no Brasil. Filmado em cinco
cidades em um período de dois anos e contando com 49 convidados, tem como foco
conceitos ou questões surgidos na Grécia Antiga que persistem importando como
elementos organizadores do pensamento corrente no mundo ocidental. A coruja,
animal que simboliza a busca por conhecimento, aparece como guia nessa jornada.
Os temas dos 13 episódios
são: Simpósio, Olimpíadas, Democracia, Nostalgia, História, Matemática,
Logomarca, Música, Cosmogonia, Mitologia, Misoginia, Tragédia e Filosofia. Ao
longo de 5 horas e 30 minutos, o espectador é confrontado com a origem dessas
palavras na Grécia Antiga e com a sua relevância para a criação e persistência
das noções de Ocidente e de Europa.
Cada episódio é conduzido
pelas falas de reconhecidos pensadores e artistas, permeadas por imagens que
Chris Marker filma ou seleciona das mais variadas fontes e edita de modo
original. O que emerge desse extenso painel não é, contudo, um panorama
homogêneo e pacificado sobre aquele legado, mas um campo de disputa de posições
e de conceitos onde há lugar para o contraditório.
Se a relevância de O Legado da Coruja na trajetória de Chris Marker e seu
ineditismo no Brasil já justifica sua apresentação – sendo exemplo, ademais, do
potencial reflexivo que o meio televisivo já teve e que hoje parece não possuir
mais –, exibi-lo em um momento de grave crise financeira, social e política na
Europa o reveste de interesse particular. E é justamente na articulação entre o
trabalho do artista feito em 1989 e a situação corrente do mundo que ele
buscava entender a partir do legado cultural grego que se ancora a presente
exposição.
Apontada pelo Banco Central
Europeu e pela União Europeia como uma das maiores responsáveis pela
progressiva fragilização do padrão monetário europeu, a Grécia tem sido
constantemente ameaçada de ser excluída da Zona do Euro e, por vezes, também da
Comunidade Europeia. Para evitar esse desfecho traumático para todos, tem sido
obrigada a penalizar gravemente a sua população mais desprotegida,
garantindo assim os ganhos dos bancos que financiaram o endividamento do país e
que muito lucraram com isso.
É irônico, senão paradoxal,
que justamente o país cuja cultura mais contribuiu para a ideia de um mundo que
se quer proteger do colapso esteja sendo culpabilizado pela crise que se abate
sobre ele hoje. E que seja por meio da adoção de políticas que levam à redução
do crescimento, ao desemprego e ao desmonte de políticas de amparo social que
se busque preservar uma ideia de coesão econômica, social e política na Europa
inteira.
Para marcar a atualidade do
projeto de Chris Marker, a exposição é dividida em duas partes. Na primeira,
são exibidos os 13 episódios de O
Legado da Coruja, projetados em sequência, de modo que a cada dia da
exposição à série é mostrada integralmente. Na segunda, foi criado um ambiente
de pesquisa e debate, em que informações sobre o artista e sobre a crise atual
na Europa são disponibilizadas aos visitantes por meio de jornais, revistas,
livros e outros vídeos. Além disso, profissionais de áreas diversas do
conhecimento são convidados a refletir e a discutir, nesse ambiente e em outros
da instituição, O Legado da
Coruja e as circunstâncias de
sua exibição aqui propostas.
A exposição possui, assim,
duas camadas distintas que se articulam: o trabalho de Chris Marker e o
contexto específico em que ele é aqui inscrito e oferecido ao público. Sem pretender
criar uma ligação imediata e clara entre um e outro, o que a mostra quer é
ativar a importância de (re) visitar O
Legado da Coruja a partir do
sentimento de urgência que a recente crise europeia desperta. Ou, considerada
de outra maneira, o que se busca é construir uma plataforma de debate e
reflexão sobre fraturas do mundo atual a partir dessa singular produção do
artista feita há mais de duas décadas.
NOTA BIOGRÁFICA
Chris Marker (Paris, 1921 / Paris, junho de 2012) foi cineasta, fotógrafo, escritor e artista multimídia. Entre seus
filmes mais conhecidos estão La Jetée (O Molhe, 1962), Le fond de l'air est rouge (O fundo do ar é vermelho, 1977) e Sans Soleil (Sem Sol, 1983), nos quais
lida, de modo original, com questões da memória e da história e com as
possibilidades e os limites de se ser protagonista no mundo.
Tendo estudado filosofia sob a tutela de Jean-Paul Sartre, Chris
Marker se juntou ao movimento de resistência francesa durante a Segunda Guerra
Mundial. Após o conflito, começou a escrever e a fazer filmes. Les statues meurent aussi (As estátuas também morrem, 1953), que co-realizou com Alain Resnais, é celebrado
como um dos primeiros filmes anticolonialistas da história do cinema.
O trabalho de Chris Marker
começou a ser reconhecido internacionalmente quando realizou La Jetée. Esse filme de ficção
científica conta a
história de uma experiência de viagem no tempo a partir de um futuro
pós-nuclear, e é construído por meio de uma fotomontagem em preto-e-branco
acompanhada de narração e efeitos sonoros. Em Le
fond de l'air est rouge, articula imagens documentais de manifestações,
conflitos e movimentos políticos ocorridos em partes diversas do mundo entre o
final da década de 1960 e meados da seguinte, traçando um painel dos incertos
rumos da história da humanidade no período.
Em Sans Soleil, Chris Marker de
novo articula arquivos de filmes e fotografias, fazendo uma fusão entre imagens
documentais e comentários filosóficos, compondo uma atmosfera de sonho e ficção
científica. Depois de Sans
Soleil, desenvolveu um profundo interesse na tecnologia digital, que o
levou a realizar o filme Level
5 (Nível 5, 1996) e o CD-ROM
interativo IMMEMORY (1998).
Mesmo após sua morte, aos 91 anos de idade, Chris Marker
é considerado um dos mais influentes criadores para os jovens que atuam nos
campos das artes visuais e do cinema. Essa posição lhe é concedida por seu pioneirismo
na quebra das fronteiras entre ficção e documentário, pelo uso original que fez
da tecnologia digital, e por seu engajamento radical com o mundo em que viveu.
Foto: Divulgação/reprodução.
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