Com um
setor financeiro sofisticado, robusto e celebrado mundialmente pela inovação
tecnológica, o Brasil enfrenta uma dicotomia ao constatar que esse sistema não
atende integralmente a população, sobretudo a de menor renda. Em um cenário no
qual 112,4 milhões de pessoas vivem com até R$ 22 por dia – cerca de 60% da
população do país – os serviços financeiros adequados, acessíveis e que agregam
educação para o uso mais consciente do dinheiro são essenciais, mas escassos.
Embora a inclusão financeira seja relacionada ao acesso e ao uso efetivo dos
serviços financeiros, a realidade é que status de cidadania
financeira só ocorre realmente mediante políticas inclusivas associadas à
efetivação de direitos. Do discurso à prática, o país apresenta um contexto
preocupante: os brasileiros mais vulneráveis não têm acesso a crédito; veem os
serviços financeiros com desconfiança; associam crédito à renda/poder
aquisitivo; e não têm o hábito de poupar.
Para analisar os desafios dos serviços financeiros; o papel das fintechs;
e as oportunidades para empreendedores de impacto social, a Artemisia conduziu a Tese de Impacto Social em
Serviços Financeiros, um amplo mapeamento setorial que contou com
o apoio do ANDE (Aspen Network for Development Entrepreneurs) Catalyst Fund,
por meio do patrocínio da MetLife Foundation; a consultoria técnica é do Plano
CDE. A análise traz tópicos que explicam o conceito de inclusão financeira; as
mudanças regulatórias que apresentam oportunidades; e cases de startups
de impacto social promissoras que criaram soluções inovadoras para
possibilitar a inclusão financeira de muitos brasileiros.
O mapeamento analisa os underserved, termo em inglês que
designa os “mal servidos” pelo sistema financeiro tradicional. Nesse contexto,
a bancarização não significa inclusão financeira; ao contrário, bancarizar sem
oferecer qualidade no serviço gera um grupo de cidadãos e consumidores mal
servidos pelo sistema financeiro – um público com acesso a produtos e serviços
caros e não adequados à real necessidade. Na Tese de Impacto Social em
Serviços Financeiros a inclusão financeira avalia esse fenômeno.
Segundo Maure Pessanha, diretora-executiva da Artemisia e
coordenadora da pesquisa, o acesso a serviços financeiros tem sido associado,
erroneamente, ao simples ato de abrir uma conta, ou seja, à bancarização com
oferta de serviços e produtos. “Entretanto, ter acesso a uma conta ou a um
serviço financeiro não se converte, necessariamente, no uso desses produtos.
Cabe considerar que o fato do consumidor de menor renda não usar o produto
financeiro é resultado da pouca adequação de parte dos serviços existentes às
necessidades da população, ou seja, há uma distância entre o que é oferecido e
o que o cliente precisa. A verdadeira inclusão financeira só se materializa
quando há o uso de produtos adequados às demandas latentes da população de
baixa renda”, analisa, acrescentando que produtos pouco apropriados podem gerar
problemas financeiros se não estiverem acompanhados de educação financeira.
“Alto endividamento e dificuldade de poupar são alguns dos reflexos desse uso
inadequado”, avalia.
Nesse cenário, as fintechs têm hoje o momento ideal
para resolver os gargalos do sistema financeiro por uma confluência de fatores:
são empresas que estão no centro do debate sobre a evolução da relação entre
população e finanças – nunca houve tanto dinheiro disponível para captação –; e
a evolução tecnológica propicia soluções digitais para temas simples e também
complexos como os blockchains. Com a implementação da Agenda
do BC+– lançado pelo Banco Central em 2017, que consiste em um conjunto de
programas para desburocratizar o sistema financeiro, aumentar a competitividade
com incentivos às fintechs e baratear o crédito –, o regulador governamental se
mostra aberto a ouvir as empresas para atualizar as regras voltadas ao aumento
da concorrência em diversas frentes. Mais cidadania financeira, legislação mais
moderna, sistema financeiro eficiente e crédito mais barato são algumas das
inovações trazidas pela iniciativa do Banco Central.
“Os especialistas entrevistados no estudo ressaltam uma percepção geral de
que inovações no sistema financeiro são bem-vindas, sobretudo porque geram
captação de recursos. Em 2012, por exemplo, foram captados R$ 9,36 bilhões; em
2017, a cifra foi de R$ 43,92 bilhões, de acordo com o estudo The
Future of Fintech, da BI Intelligence”, afirma Maure.
OPORTUNIDADES NO CONTEXTO DOS DESAFIOS DE INCLUSÃO FINANCEIRA
As novas formas de levar cidadania financeira por meio de negócios
de impacto
Os desafios da população vulnerável para o acesso e uso de serviços
financeiros com qualidade apontam oportunidades para empreender fintechs de
impacto social, que podem endereçar tais desafios de forma escalável e gerar
alto impacto social no setor. As fintechs de impacto social
têm capacidade de customizar produtos para públicos específicos. Uma das formas
é adaptar os já existentes, corrigindo dificuldades do produto para a baixa
renda; simplificar produtos de entrada – redesenhar produtos para melhorar a
arquitetura de escolha, a partir do profundo conhecimento do público-alvo –; e
simplificar a linguagem para que o consumidor assimile os benefícios do produto
e tenha confiança no sistema.
“As oportunidades de criar soluções de base tecnológica e que gerem alto
impacto social existem; são concretas; e têm o apoio de uma regulamentação
favorável, que estimula a inovação. Há muito espaço para a criação de produtos
e serviços éticos voltados à real cidadania financeira e usando inteligência da
economia e da psicologia – com forte viés comportamental – para vencer a
desconfiança do consumidor brasileiro e apoiá-lo a tomar melhores decisões.
Soluções que conversem com o público feminino são mais que bem-vindas. De modo
geral, a janela de oportunidades está aberta para empreendedores de impacto
social inovadores e conectados com a causa de levar produtos financeiros que tragam
educação e inclusão financeira”, avalia Maure Pessanha. A executiva recomenda
que os empreendedores criem times multidisciplinares e diversos. “As fintechs,
de modo geral, têm times mais ‘tech touch’ e com pouca
diversidade econômica, racial, de gênero e social nas equipes. Para criar
melhores produtos de impacto, precisamos de equipes mais diversas”, defende.
Entre as oportunidades de empreender detectadas pela Tese de
Impacto Social em Serviços Financeiros estão as soluções para o
aumento da digitalização; construção de histórico para crédito; produtos que
constroem confiança; e produtos que empoderam o usuário para escolhas
financeiras conscientes.
- Aumento da digitalização | O baixo uso de soluções
digitais e a queda do número de correspondentes bancários – principal porta de
acesso à população de menor renda – aponta para a primeira
oportunidade. A escalabilidade proporcionada pela digitalização tem o
potencial de reduzir os custos de aquisição de clientes e os custos de
transação, tornando os serviços das fintechsmais acessíveis e
atraentes para usuários de baixa renda. São exemplos de soluções: contas
digitais que usem tecnologia para oferecer transparência e serviços sem custo
ao usuário, e parcerias com cooperativas de crédito que atendam aos empreendedores
de baixa renda para capilaridade e menor custo de aquisição.
O aumento da digitalização também tem potencial de melhorar o acesso a
crédito adequado para o público mal servido pelo atual sistema financeiro (underserved).
São exemplos de soluções: adaptação de serviços de crédito para especificidades
do público e facilitação do direcionamento de recursos do microcrédito. Um case
que ilustra essa oportunidade – acelerado pela Artemisia –
é a Jeitto. Por meio de um aplicativo, a startup provê
limites de crédito de pequenos valores para ajudar a fechar as contas do mês,
além de oferecer uma carteira digital pré-paga para construção de histórico, em
um modelo “pay per use”.
- Dados para acesso a crédito | A população de baixa
renda não bancarizada – ou que faz pouco uso dos serviços financeiros – não
consegue acessar crédito por não ter histórico construído em instituições
financeiras. Diante desse desafio, surge a segunda
oportunidade: o uso de dados não estruturados para construção de
histórico para essa parcela da população. São exemplos as startups que não se
entendem como fintechs – oriundas de outros setores – mas,
que possuem meios de pagamento nos serviços oferecidos, gerando histórico de
recebimento e inadimplência (como aplicativos para motoristas particulares); e
soluções com uso de dados não estruturados para construção de histórico que
apoiem a análise de concessão de crédito. Um case que ilustra essa oportunidade
é a QuickCheck, também acelerada pela Artemisia.
Com inteligência própria, analisa a capacidade de pagamento de pacientes por
meio do cruzamento de informações e sugere condições de parcelamento adequadas
a cada cliente para aumentar o fluxo de pacientes em clínicas de odontologia.
- Produtos que constroem confiança | A desconfiança,
além da preferência por pagamentos em espécie, gera pouco uso dos serviços
financeiros. A oportunidade número três propõe criar
confiança por meio da simplificação de produtos financeiros de entrada que
quebrem as barreiras entre o usuário de baixa renda e os serviços financeiros,
a partir de um conhecimento aprofundado do público. São exemplos, os serviços
financeiros de entrada com fácil usabilidade e comunicação simples e
transparente – que quebrem barreiras para adoção de outros serviços financeiros
(conta, seguro, investimento, cartão de crédito, cartão pré-pago) –; serviços
com foco local na comunicação e solução, que geram identificação e
pertencimento com a população das comunidades de baixa renda; e serviços com
atendimento híbrido (on + off), que criam confiança com o usuário no contato
presencial para apoio no uso da solução digital.
Entre os negócios de impacto social acelerados pela Artemisia –
que exemplificam essa oportunidade – está o Banco Maré, aplicativo
para comunidades de baixa renda que permite aos usuários pagarem as contas,
transferirem valores e comprarem em mercados locais utilizando a
"palafita", moeda digital criada em homenagem à comunidade. A empresa
oferece, também, atendimento presencial para ajudar a população a utilizar a solução.
A MEI Fácil também se enquadra no contexto da
oportunidade. A empresa que apoia o microempreendedor individual em questões do
dia a dia para vencer as barreiras burocráticas – como obter um CNP e emitir
guias de imposto –; também oferece uma série de serviços financeiros
simplificados e com baixo custo. O terceiro case é a Mais Fácil,
que atua como administradora de cartões de crédito para varejo e gerencia
cartões comunitários, reinvestindo parte da receita em benefícios para a
comunidade. O negócio lançou, em Paraisópolis (São Paulo), o primeiro Cartão
Comunidade do mundo.
- Produtos que empoderam o usuário para escolhas conscientes
| Muitos dos problemas financeiros enfrentados pela população são
ocasionados pela falta de entendimento dos serviços e informações pouco claras
que geram escolhas não conscientes/saudáveis. A quarta
oportunidade propõe o uso de arquitetura de escolha (nudges,
da economia comportamental) que apoie o bom uso dos serviços e decisões mais
conscientes, melhorando aspectos de poupança, planejamento, tomadas de créditos
etc.
Entre os destaques, a BLU365, empresa que
oferece orientação financeira e serviços de negociação de dívidas para pessoas
“negativadas”. A empresa busca apoiar as pessoas a manterem suas contas
"no azul" o ano todo. E a QueroQuitar–
plataforma de renegociação de crédito que aborda o devedor de forma positiva ao
fazer com que a proposta de negociação venha dele. A Konkero também
se insere nesse cenário. Referência em comparação de produtos financeiros e
finanças pessoais, o portal gratuito conta com mais de 1,5 milhão de visitas
por mês. No site, os internautas têm acesso a comparativos de centenas de
serviços financeiros; em seis anos de atuação, já auxiliou mais de 51 milhões
de pessoas, tendo ajudado 4,6 milhões a negociar dívidas; 2 milhões a entender
melhor o uso do cartão de crédito; 2,2 milhões aprenderam a preencher cheque; e
mais de 600 mil a compararem taxas de financiamento de carro. A
Movva – via produto PoupeMais – oferece um serviço de envio de
SMS com informações e sugestões de atividades do cotidiano que levam a um
melhor planejamento financeiro e decisões de consumo e crédito mais
conscientes, responsáveis e saudáveis para a diminuição do risco de
endividamento.
METODOLOGIA DO MAPEAMENTO | A Tese de
Impacto Social em Serviços Financeiros foi conduzida com análise de
16 relatórios externos; 10 entrevistas com especialistas (acadêmicos,
reguladores e empreendedores sociais); e análise de dados públicos do Banco
Central, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e
Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). O mapeamento investigou o
processo de efetivo acesso e uso pela população de serviços financeiros
adequados às necessidades, contribuindo com a qualidade de vida. A motivação da
organização foi apresentar as oportunidades mais promissoras para o
desenvolvimento de negócios que podem gerar impacto social em serviços
financeiros. Para isso, a equipe considerou as reais necessidades da população
e menor renda no Brasil; os principais problemas e desafios que enfrentam no
que tange o acesso a serviços financeiros; quais ações podem gerar impacto
social e trazer melhorias na qualidade de vida; e análise de como o mercado, as
políticas e os programas governamentais estão endereçando essas demandas.
SOBRE:
OS NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL | São empresas
que oferecem, de forma intencional, soluções escaláveis para problemas sociais
e ambientais enfrentados pela população de baixa renda. Entre as
características principais estão o foco na baixa renda (produtos e serviços
desenhados de acordo com as necessidades e características dessa população);
intencionalidade (possuem a missão explícita de causar impacto social e são
geridos por empreendedores éticos e responsáveis); potencial de escala (podem
ampliar o alcance por meio da expansão do negócio, da replicação em outras
regiões por outros atores, ou pela disseminação de elementos inerentes ao
negócio por outros empreendedores, organizações e políticas públicas);
rentabilidade (possuem um modelo robusto que garante a rentabilidade e não
depende de doações ou subsídios); impacto social relacionado à atividade
principal (o produto ou serviço oferecido diretamente gera impacto social ou se
trata de projeto/iniciativa separada do negócio – sim, da atividade principal);
distribuição ou não de dividendos (um negócio pode distribuir ou não dividendos
a acionistas; decisão que não é um critério para definir o impacto social).
A Artemisia toma por base a visão de
Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia, de que “a pobreza é a privação das
capacidades básicas de um indivíduo, não apenas ao fato de possuir renda
inferior a um patamar preestabelecido”. Com essa perspectiva, a organização
acredita que os negócios de impacto social podem gerar melhorias na qualidade
de vida da população de menor renda em cinco principais dimensões aos diminuir
os custos de transação; promover oportunidades de desenvolvimento; possibilitar
aumento de renda; reduzir condições de vulnerabilidade; e fortalecer a
cidadania e os direitos individuais.
ARTEMISIA | A Artemisia é uma organização sem fins lucrativos, pioneira
na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil. A
organização apoia negócios voltados à população de baixa renda, que criam
soluções para problemas socioambientais e provocam impacto social positivo por
meio de sua atividade principal. Sua missão é identificar e potencializar
empreendedores(as) e negócios de impacto social que sejam referência na
construção de um Brasil mais ético e justo. A organização já acelerou mais de
130 negócios de impacto social no Brasil e capacitou outros 300 em seus
diferentes programas. Fundada em 2004 pela Potencia Ventures, possui atuação
nacional e escritório em São Paulo. www.artemisia.org.br
ANDE | O Aspen Network of Development Entrepreneurs
(ANDE) é uma rede global de mais de 290 organizações que fomentam o
empreendedorismo em países emergentes. Os membros da ANDE fornecem serviços
críticos de apoio financeiro, capacitação e assistência técnica para pequenas
empresas em crescimento (SGBs) com base na convicção de que elas criarão
empregos, estimularão o crescimento econômico de longo prazo e produzirão
benefícios ambientais e sociais. https://www.andeglobal.org/ page/andecatalystfund2017
METLIFE
FOUNDATION | At MetLife Foundation, we believe financial health belongs to
everyone. We bring together bold solutions, deep financial expertise and
meaningful grants to build financial health for people and communities that are
underserved and aspire for more. We partner with organizations around the world
to create financial health solutions and build stronger communities,
engaging MetLife employees to help drive impact. To date, our
financial health work has reached more than 6 million low-income individuals in
42 countries. To learn more about MetLife Foundation, visit metlife.org.
Fonte/Foto-reprodução-divulgação: Assessoria de Imprensa
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