A ideia de um mundo em que humanos substituíram a natureza como
força ambiental dominante na Terra permeia o conceito de Antropoceno,
termo proposto em 2015 pelo químico holandês Paul Crutzen. Esse pensamento é,
também, um dos fios condutores da obra da artista sul-coreana Ayoung
Kim, um dos nomes mais proeminentes da cena artística de seu país, que
sintetiza em obras de formalização rigorosa sua pesquisa em torno da
biopolítica e controle de fronteiras, a inteligência artificial, a origem
ancestral e o futuro iminente. Um recorte recente e inédito do trabalho de Kim
é exibido na mostra Oxbow Lake Time - Anthropocene:
Korea x Brazil 2019-2021, em cartaz até 28 de fevereiro na plataforma Videobrasil
Online (https://videobrasil.online/).
"De grande potência visual, sonora e cênica, os vídeos,
performances e projetos teatrais de Ayoung Kim, artista com passagem marcante
pela 56ª Bienal de Veneza e mostras individuais no Festival de Melbourne e no
Palais de Tokyo, articulam elementos de tempos, espaços e sintaxes diversos,
enxertando o ficcional na história e distorcendo a realidade para fazê-los
colidir. Feitas para incitar formas pouco familiares de leitura, escuta e
pensamento, atravessam mitos de origem e distopias futuristas, catástrofes
reais e mitológicas, marés e minerais, nações e gêneros", afirma Solange
Farkas, diretora da Associação Cultural Videobrasil e curadora da
exposição.
O título da mostra, que em português significa Lago em
ferradura, indica um trecho sinuoso de rio que, por causas naturais, se
separa do curso principal e forma um corpo de água isolado. Esse acidente
geográfico - e comum no Brasil - é usado pela artista como uma metáfora do
estado atual que atravessamos. "Os lagos em ferradura são como uma parte
seccionada de um corpo. Representam uma condição de restrição e de isolamento,
mas, ao mesmo tempo, algo em potencial", explica Ayoung Kim em
vídeo-depoimento para a plataforma. "Isso pode ser relacionado ao
estranhamento existencial que vivemos na pandemia, um tempo descontínuo e
isolado. Tanto na separação física quanto na cronologia da descontinuidade, o
‘tempo do lago em ferradura’ sugere o próprio mundo de hoje", completa.
O recorte curatorial evidencia a produção de Kim realizada entre
2010 e 2021. São obras em vídeo, de qualidade cinematográfica, nas quais a
artista mescla ficção e realidade, como At the Surisol Underwater
Lab (2020). O filme se passa em um futuro próximo, cerca de uma
década após a pandemia global do Covid-19, e traz um mundo tomado pelo
esgotamento de recursos naturais, onde os biocombustíveis verdes tornaram-se a
principal fonte de energia das sociedades.
Com Porosity Valley 2: Tricksters Plot (2019),
Ayoung Kim sugere um mundo e uma mitologia alternativas para as migrações de
todo tipo do século 21. A artista sobrepõe migrações de refugiados e digitais,
ambas características do mundo contemporâneo, e questiona as formas de existir
e as formas de representar dos refugiados iemenitas que chegaram recentemente à
Coreia do Sul. É uma reflexão acerca do estado de coisas no qual refugiados são
tratados como uma espécie de disfunção ou vírus que ameaça o estado-nação.
Em 2019, Ayoung Kim foi à Mongólia pesquisar o amplo sistema de
crenças animistas do país, que envolve a Terra, a mãe-pedra, rochas e cavernas
sagradas que, segundo a crença, purificam as culpas humanas. É muito difundida
entre o povo da Mongólia a convicção de que pedras e minerais, assim como
outros elementos naturais, estão vivos. A artista explora esse tema e cria sua
própria mitologia em Petrogenesis, Petra Genetrix (2019),
obra em que reúne entrevistas com um historiador, um geólogo, o diretor de um
museu de geologia e habitantes locais.
Oxbow Lake Time é a segunda exposição do
projeto Anthropocene: Korea x Brazil 2019 - 2021, fruto da
cooperação entre a Associação Cultural Videobrasil e o Ilmin
Museum of Art, com apoio do Arts Council Korea (Arko Fund). A
parceria celebra seis décadas de relações diplomáticas entre Brasil e Coreia do
Sul e acontece em consonância com o enfoque dado há mais de 30 anos pela
Associação Cultural Videobrasil à produção artística do chamado Sul Global -
termo referente a países ou grupos marginalizados no quadro geopolítico global.
A estreia do projeto se deu em 2019 com a mostra Dear
Amazone, the Anthropocene: Brazil x Korea, organizada no Ilmin
por Juhyun Cho, curadora-chefe do museu, com colaboração de Solange
Farkas, e obras de artistas brasileiros como Jonathas de Andrade,
Cinthia Marcelle, Mabe Bethonico, Lucas Bambozzi, João GG, Thiago Martins de
Mello e Alexandre Brandão. A segunda exposição, com
trabalhos de artistas coreanos, estava prevista para ser realizada em 2020
presencialmente no Brasil, mas teve de ser adaptada para o online em função da
pandemia de Covid-19.
A individual de Ayoung Kim é a quarta exibida no Videobrasil Online. Inaugurada em setembro do ano passado, a plataforma já apresentou o documentário Abdoulaye Konaté - Cores e Composições, filme dirigido por Juliano Salgado que trata da trajetória artística de Abdoulaye Konaté, um dos mais destacados criadores da África Subsaariana; a mostra Sacudimentos, do artista Ayrson Heráclito; e a exposição coletiva Anthropocene: Korea x Brazil 2019-2021, realizada em parceria com a ARKO Fund (Arts Council Korea), com seleção de obras organizada por Juhyn Cho e seis dos principais nomes da cena artística sul-coreana: Hayoun Kwon, Sanghee Song, Eunji Cho, Jeamin Cha, Minjung Song e Ji Hye Yeom.
Serviço:
Oxbow Lake Time - Anthropocene: Korea x Brazil 2019-2021, individual da artista sul-coreana Ayoung Kim
Local: Videobrasil online (https://videobrasil.online/)
Curadoria: Solange
Farkas
Período expositivo: Até 28
de fevereiro
Fonte/Foto-reprodução-divulgação:
Assessoria de Imprensa - Legenda: In Search of
Petra Genetrix (2020)
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