Lançada em março, junto com a apresentação da edição 2021 do relatório Por Elas Que
Fazem a Música - uma iniciativa da União Brasileira de Compositores para medir a
participação feminina entre os associados -, uma pesquisa inédita
para destrinchar seus dados e experiências pessoais reuniu um universo de
252 mulheres dispostas a contar em mais
detalhes sua realidade num meio que é silenciosamente hostil a elas. Prova
disso é que 79% disseram ter sofrido discriminação de gênero em algum momento da sua
carreira. Muitas deixaram depoimentos sobre pequenos e grandes embaraços
ligados ao simples fato de serem mulheres - e
você poderá ler alguns deles no final deste texto.
Como se trata de uma pesquisa respondida
por iniciativa própria das profissionais, sem
que tenham sido aplicados critérios científicos de representação geográfica,
etária ou étnica na seleção das participantes, os resultados devem ser lidos como um
retrato desse universo específico, o das respondentes.
Mas a experiência empírica revela que, em muitos aspectos, elas podem
perfeitamente refletir, com mais ou menos precisão, o conjunto das mulheres no mercado musical
brasileiro.
Por exemplo, os percentuais de origem geográfica
(com 63% oriundas da região Sudeste, com Nordeste, Sul,
Centro-Oeste e Norte em seguida) e faixa etária (35% delas têm de 31 a 40
anos; 28%, até 30 anos; e 24%, de 41 a 50, segundo as outras faixas
bastante minoritárias) coincidem com os dados de dois outros trabalhos: o
próprio relatório Por Elas Que Fazem a Música e
a pesquisa Músicos/as e Pandemia, realizada
pela UBC e pelo cRio, think tank da Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM) ano passado.
Outro
dado com resultado similar é sobre a área de atuação das mulheres que
responderam à enquete: 33% delas são compositoras; 30% se disseram
intérpretes; 19% são produtoras fonográficas; 17% são músicas executantes; e 3%
delas trabalham em outras áreas dentro da música, como funções técnicas,
por exemplo. A soma não corresponde a 100% porque várias delas atuam em mais de
uma função.
Se,
agora, 100% das participantes são do sexo feminino, uma pergunta
sobre identidade de gênero e orientação sexual mostra que os avanços na aceitação
às diferenças já começam - ainda que timidamente - a se refletir no
mercado musical: 55% se definem como mulheres cisgênero
heterossexuais, 23% como cis bissexuais; 17%, como cis homossexuais,
e pouco mais de 1% são mulheres transgênero (hetero,
bi ou homossexuais).
A maioria das mulheres (60%) que responderam se declara branca, com pardas, pretas, amarelas e indígenas somando os outros 40%, praticamente uma inversão dos percentuais que vêm sendo verificados há alguns anos pelo IBGE. A escolaridade das mulheres participantes também difere bastante dos dados do conjunto da população, com 46% tendo completado uma carreira universitária; 12% com mestrado e doutorado; e apenas 3% com segundo grau incompleto ou menor escolaridade.
O que não impede que nada menos do que 53% declarem jamais ter recebido nenhum
valor de direitos autorais e que 51% delas afirmem receber no máximo R﹩ 800 anuais oriundos dessa fonte. As que recebem mais de R﹩ 54 mil em direitos autorais representam apenas 3% das que responderam,
traduzindo inequivocamente a grande disparidade na distribuição
dos rendimentos verificada em outros levantamentos - e que se deve, entre
outros fatores, à dificuldade de inserção para artistas independentes e de fora
do mainstream no mercado musical como um todo.
A maioria das respondentes é
solteira (53%), e a grande maioria (68%) não tem filhos, o que
lança alguma luz sobre a dicotomia entre poder dedicar-se à carreira ou formar
uma família frequentemente imposta às mulheres não só no meio
musical, mas no mercado como um todo.
Com iniciativas como a enquete e o relatório anual
Por Elas Que Fazem a Música, a UBC quer ressaltar a necessidade de
equiparação de condições e rendimentos entre homens e mulheres no
mercado musical, algo que beneficiaria toda a cadeia produtiva.
"Além de ter lançado em março a quarta edição
do Por Elas, contendo dados da participação feminina entre nossas associadas,
quisemos fazer esta pesquisa adicional para ampliar nossos resultados
e poder ter acesso a dados mais claros que não constam da nossa base. Temos o
compromisso de ampliar esse debate, discutir constantemente o cenário e,
através da conscientização, ajudar a construir um panorama melhor para as mulheres",
disse Vanessa Schütt, coordenadora do projeto.
DEPOIMENTOS:
"Em uma entrevista de rádio me perguntaram por
que eu, cantora sertaneja, não chamo um homem para fazer dupla comigo. O
entrevistador disse que, ao estar acompanhada de um homem, seria mais fácil
vender show e até mesmo um empresário investir em mim."
"Em inúmeros eventos, eu sou a única mulher trabalhando no
backstage".
"Basta você dizer que é compositora para ser desacreditada. Mulher
cantando é até aceitável, mas compondo, acham que não temos competência".
"Em algumas entrevistas, as perguntas técnicas acerca da composição
de música ou de dificuldades da banda eram direcionadas apenas aos
meus companheiros de banda. Minhas perguntas eram mais relacionadas ao que eles
consideravam do ''mundo feminino".
"Colegas músicos frequentemente não escutam minhas opiniões por acharem
que não tenho muito a acrescentar, apesar de eu ser graduada em música pela
Universidade Federal da Bahia e ter vasta experiência no mercado".
"Já fui chamada de puta enquanto cantava".
"Nasci como artista no meio gospel, onde o machismo ainda não é tão
condenado e as próprias mulheres reforçam atitudes que diminuem a
mulher. Sempre que meu esposo viajava comigo, mesmo apenas me acompanhando, a
presença e a figura dele eram muito valorizadas, e os líderes sempre o
mencionavam e falavam dele".
"Fui tirada de uma banda por crerem que mulher não sabe tocar bem."
"Recebi o cachê mais baixo que o combinado pelas gravações de voz de um
disco completo. Eu era a única mulher da banda e atuava como
cantora/intérprete. Até hoje não recebo pelos direitos conexos."
"Em várias ocasiões, na hora de dirigir a minha banda, enfrento
desconfiança e questionamentos à minha autoridade. Depois, passa, mas sempre há
uma resistência inicial."
"Sempre me perguntam se sou mesmo a compositora e a arranjadora das minhas
músicas. Frequentemente ficam muito surpresos quando digo que produzo."
"Um rapaz, perguntou, uma vez, ao olhar minha composição: 'você escreveu
isso?'."
"Trabalhei em um estúdio de música, e, por eu ser técnica de som, a
maioria dos artistas não respeitava meu trabalho, sempre era 'o ver para
crer'."
"Antes do show, houve um problema técnico com o som. Pedi
explicação. Na hora de explicar, não olhavam para mim, responderam a
todos os outros homens que estavam lá, menos a mim, que fiz a pergunta."
"Dentre várias situações, me lembro de uma vez que fui ensaiar em um
estúdio com a minha banda, na qual todas somos mulheres. Demos
de presente ao dono do lugar nosso primeiro EP. Ele perguntou quem tinha
gravado os instrumentos."
"Já ouvi tantos absurdos, mas alguns dos que mais me marcaram foram
falas do tipo 'além de bonita, ainda canta'; e 'é bom ela ficar na frente,
enfeita o palco'. Também já fui descartada por um produtor quando
descobriu que eu não estava solteira."
"Produtores já interromperam a minha fala várias vezes."
"Homens tentaram aproximação afetiva quando minha abertura foi apenas para
relação profissional."
"Homens já tentaram me explicar como regular meu próprio
instrumento, querem nos ensinar a tocar, fazem comentários de cunho sexual e,
muitas vezes, acham que estamos acompanhando alguém da banda, e não que somos a
própria banda."
"Nas rodas de samba, fui discriminada. Ali, os homens se sentem a grande
atração."
"Sinto também discriminação por ter iniciado a minha carreira
aos 60 anos."
"Já fui excluída de projetos pelo simples fato de ser mãe sola."
"Já vivi situações de não ser levada a sério. Ser ignorada por
técnicos de som, na passagem de som para um show. Já fui
assediada e tratada sem a devida importância, por ser mulher e ser negra."
"Fui impedida de acessar o meu próprio equipamento porque o cara do
festival que estava responsável por vigiar não sabia que era uma mulher que ia
usar, estava esperando um homem que jamais chegou."
"Comecei cantando hip hop em 1998, no Rio, não havia muitas mulheres nesse
cenário. Os homens não nos deixavam subir ao palco, desligavam o som...
Chegaram a me tirar do palco à força porque continuei cantando mesmo depois de
terem apagado o som."
"Nos festivais, em sua grande maioria, o corpo de jurados é formado em sua
totalidade por homens."
"Faço parte de uma banda com quatro homens, já me senti mal por
ser chamada de 'patroa' e 'chata' ou 'mandona' por simplesmente expor meu ponto
de vista, administrar a banda como qualquer sócio. Já senti uma
pressão para usar certos tipos de roupa e me colocar mais como um sex
symbol, na visão deles."
"Quando o contratante é um homem, ele já cresce pra cima de
você."
"Em um barzinho, enquanto um cantor se apresentava, eu pedi o microfone e
cantei um pedaço da minha música que fala sobre empoderamento
feminino. Todos aplaudiram muito, e ele, ao final, tentou me convencer a ceder
minha música para ele gravar. Disse que faria muito mais
sucesso na voz dele."
Fonte/Imagens-reprodução-divulgação: Assessoria de Imprensa
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