Uma das mais prestigiadas artistas brasileiras contemporâneas, Adriana Varejão dá início a um dos anos mais significativos de sua prolífica carreira de quase quatro décadas, com a inauguração de três novas exposições em Nova Iorque (27/3 a 22/6), Lisboa (10/4 a 22/9) e Atenas (15/5 a 14/6). Embora dialoguem entre si, os projetos expandem os múltiplos eixos do trabalho da carioca, permitindo abordagens distintas de acordo com cada contexto e instituição.
Na Hispanic Society Museum & Library (HSM&L), em Nova Iorque, a artista explora a interseção entre natureza e cultura por meio de novas obras da série "Pratos" e de uma escultura pública em grande escala; no Centro de Arte Moderna Gulbenkian , em Lisboa, estabelece um diálogo profundo com a obra de Paula Rego, abordando temas como violência e memória; na galeria Gagosian, em Atenas, investiga diferentes tradições de cerâmica, como a turca, chinesa, grega e a de Maragogipinho, na Bahia, relacionando sua produção contemporânea com tais tradições.
"Cada exposição é um convite a revisitar histórias sob uma nova perspectiva, conectando passado ao presente e evocando tanto os rastros da violência quanto a potência da resiliência”, resume a artista. “Estou mergulhando cada vez mais na pesquisa sobre a cerâmica, os azulejos e o barroco. São elementos que sempre me interessaram, mas agora estou aprofundando essa relação.”
Nova Iorque – Hispanic Society Museum & Library
Adriana Varejão: “Don’t Forget: We Come From the Tropics”
27 de março a 22 de junho de 2025
A exposição “Don’t Forget: We Come From the Tropics” marca a primeira individual da artista em um museu nova-iorquino, com as pinturas tridimensionais da série "Pratos", entre inéditas e recentes, bem como uma grande instalação comissionada na entrada da Hispanic Society. As obras resultam das pesquisas de Varejão sobre a Amazônia e propõem uma releitura crítica do cruzamento entre natureza e cultura, além de fazer referências a tradições cerâmicas de diversas partes do mundo.
O título “Don't Forget, We Come From the Tropics” é tanto um tributo à vitalidade natural e cultural do Brasil quanto uma homenagem a uma de suas mais ilustres artistas, Maria Martins, que declarou famosamente: “Don’t forget, I come from the Tropics” (“Não esqueça: eu venho dos Trópicos”). Essa celebração das estéticas tropical e barroca exalta a riqueza do mundo latino-americano.
A mostra surgiu como um projeto especial, impulsionado pela singularidade do espaço, que, com seu estilo barroco e ausência de paredes brancas, desafiava uma montagem tradicional. Inspirada pela rica coleção de cerâmica do museu, a artista criou quatro novas obras e selecionou uma já existente de sua série de pratos que dialogassem com o acervo do instituto. A fauna da região Norte do país é um dos destaques da exposição, ideia que ganhou força após a sua participação na 1a Bienal das Amazônias, em 2023, evento no qual se reconectou com um trabalho anterior realizado para a mostra “Yanomami – o Espírito da Floresta”, em 2003.
Os cinco pratos expostos são ricos em referências, evocando em seus versos cerâmicas tradicionais de diversas culturas, como a turca Iznik, a chinesa Ming, a valenciana do século XV e cerâmicas marajoaras amazônicas pré-colombianas. A artista explora a tridimensionalidade em suas peças, buscando inspiração nas cerâmicas do francês Bernard Palissy e do português Rafael Bordalo Pinheiro, incorporando elementos esculturais que simulam seus estilos.
"Os pratos são um espaço de sobreposição de tempos e geografias, onde mitologias convivem com a história global da cerâmica", afirma a artista.
As obras exploram a fauna e flora amazônicas, com figuras tridimensionais de animais e frutos. Ao concluir as obras, a artista percebeu que todas faziam referência a espécies cujos nomes têm origem no tupi-guarani — Guaraná, Mucura, Urutau, Boto, Aruá e Mata-mata — e escolheu essas palavras como títulos.
“Essa nova série de pratos foi concebida a partir da Bienal das Amazônias. Antes, os pratos falavam do mar, agora falam da floresta, da fauna, da delicada relação entre os seres e do que está em risco, hoje”, pontua a artista.
Outro destaque da exposição é a instalação de uma imensa sucuri em fibra de vidro que se entrelaça ao monumento em bronze de El Cid sobre o seu cavalo – situado na porta de entrada do museu – onde questiona simbolismos de poder e domínio.
“A serpente é um símbolo ambivalente, de transformação e perigo, e aqui ela ocupa um espaço de resistência, desafiando a imposição colonial representada pelo cavaleiro conquistador”, explica.
Além de apresentar sua própria obra, Adriana fez a curadoria de uma seleção de cerâmicas históricas da coleção da Hispanic Society que serão exibidas lado a lado com os pratos de sua autoria. Parte do recém-inaugurado programa de arte contemporânea do instituto, reaberto em 2024 após uma reforma com duração de dez anos, “Don’t Forget: We Come From the Tropics” tem entre os seus objetivos atrair um novo público para o museu. Confira o texto completo da exposição aqui.
Lisboa – Centro de Arte Moderna Gulbenkian
“Entre os Vossos Dentes”
10 de abril a 22 de setembro
A exposição “Entre os Vossos Dentes” traz um diálogo da trajetória artística de Varejão com a da renomada portuguesa Paula Rego (1935 – 2022), no Centro de Arte Moderna Gulbenkian, em Lisboa. Distribuída ao longo de 13 galerias temáticas, a exposição encontra pontos de convergência surpreendentes entre os trabalhos de cada uma delas, abordando temas como violência, erotismo, apagamento e memória. Com curadoria da própria artista carioca em parceria com Helena de Freitas e Victor Gorgulho, a mostra tem expografia da cenógrafa, dramaturga e cineasta Daniela Thomas.
“Entre os Vossos Dentes” apresenta quase 100 obras e o título faz referência a um verso de “Poemas aos Homens do Nosso Tempo – II”, de Hilda Hilst, reforçando o caráter político da exposição, e à antropofagia brasileira, estabelecendo uma interseção entre as trajetórias de Varejão e Rego, que foram marcadas pelo enfrentamento de estruturas de opressão.
"O título da exposição se refere à lógica predatória do patriarcado e do colonialismo. Minha obra e de Paula representam uma visão crítica a esses sistemas”, explica Varejão. “Ao oferecer nossa arte ao público, nós artistas nos colocamos na posição de sermos devorados, interpretados, apropriados. Em contextos de luta e resistência, segurar algo entre os dentes pode simbolizar não ceder, não abrir mão, persistir até o fim.”
A exposição explora temas como o corpo feminino, a violência colonial e a subversão dos cânones da arte ocidental. Uma das salas destaca a conexão de Varejão com a azulejaria portuguesa, enquanto outra apresenta sua obra "Ruína Brasilis", onde fissuras em superfícies de azulejos revelam estruturas internas de carne e sangue.
"O azulejo é uma pele arquitetônica, um disfarce que encobre histórias de brutalidade e imposição cultural", observa a artista. “A gente fala sobre corpo, história, dor e resistência. São imagens que incomodam, que ficam com o espectador, que se prendem 'entre os dentes'.” Confira o texto completo da exposição aqui.
Atenas – Gagosian
Ainda sem título
15 de maio a 14 de junho
Encerrando a sequência de exposições, Adriana Varejão realiza sua primeira individual na galeria Gagosian de Atenas, de 15 de maio a 14 de junho. A exposição reúne obras inéditas da artista em diálogo com peças de diversas tradições cerâmicas, que cruzam tempos e geografias.
A exposição será dividida em quatro núcleos: o primeiro se relaciona com vasos da Grécia, o segundo com vasos de Maragogipinho, na Bahia, conhecido como o maior pólo ceramista da América Latina, com cerca de 150 olarias. Adriana visitou a cidade para investigar a produção local, cujas peças são caracterizadas pela pintura floral em tabatinga branca sobre a cerâmica avermelhada. O terceiro núcleo está relacionado com a cerâmica chinesa da dinastia Song, incluindo um incensário raro que ela pegou emprestado com o museu Benaki. O quarto núcleo traz uma relação com tradição de Iznik, da Turquia, destacando os azuis vibrantes, um traço marcante desses trabalhos.
Na mostra, Varejão propõe uma reinterpretação da cerâmica como maneira de conectar o passado e o presente, resgatando os significados históricos e culturais dessa produção artística.
"Cada cerâmica conta uma história e carrega marcas de um contexto social e político. Meu trabalho é também uma forma de revisitar essas narrativas e reimaginá-las", reflete a artista. “Sempre me fascinou a maneira como diferentes civilizações usaram a cerâmica para contar histórias e transmitir símbolos de poder.”
Sobre Adriana Varejão
Adriana Varejão é uma das mais vigorosas artistas brasileiras da atualidade, sendo reconhecida internacionalmente pela sua linguagem visual inconfundível, marcada por elementos barrocos que se caracterizam pela paródia, paradoxo, tensão e excesso. As suas obras alargam frequentemente as fronteiras entre registos artísticos: pinturas com elaborados relevos escultóricos que irrompem da tela ou esculturas pintadas de forma teatral, ao mesmo tempo que abordam temas que desafiam premissas amplamente aceitas sobre arte e cultura. Desde a década de 1990 que o seu trabalho tem suscitado debates críticos sobre narrativas decoloniais, explorando a violência, o erotismo e o pluralismo da história do Brasil e as suas interligações com o resto do mundo.
Varejão expôs em museus do Brasil e de todo o mundo. Entre suas principais exposições individuais destacam-se: The Hispanic Society of America, Nova Iorque (2025); Pinacoteca de São Paulo (2022); Haus der Kunst, Munique (2019–2020); Museo Tamayo, Cidade do México (2019); Sowden House, Los Angeles (2017), Villa Medici, Roma (2016); Dallas Contemporary (2015); ICA, Boston (2014–2015); MALBA, Buenos Aires (2013); Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro (2012); Museu de Arte Moderna, São Paulo (2012); Hara Museum of Contemporary Art, Tóquio (2007); e Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, Paris (2005). Participou de diversas bienais, como Bienal das Amazônias, São Paulo, Sydney, SITE Santa Fé, Liverpool, Istambul e Mercosul, entre outras.
Em 2008, um pavilhão de exposição permanente dedicado à obra da artista foi inaugurado no Instituto Inhotim, no Brasil. A obra da artista está presente em acervos de grandes instituições públicas como: Tate Modern, Londres; Stedelijk Museum, Amsterdam; the Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque; Solomon R. Guggenheim, Nova Iorque; Dallas Museum of Art, Texas; Museum of Contemporary Art, San Diego; Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, Paris; Fundació “la Caixa,” Barcelona; Coleção Berardo, Centro Cultural Belém, Lisboa; Fundação de Serralves, Porto; Hara Museum of Contemporary Art, Tóquio; Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP, São Paulo; MAR – Museu de Arte do Rio, entre outros.
Foto/crédito: Vicente de Mello - Legenda: Guaraná
Fonte: Assessoria de Imprensa
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