Uma “melancolia bela e pungente” denota uma tristeza agridoce, que paradoxalmente também evoca uma beleza profunda e uma ressonância emotiva. Não se trata de mera tristeza, mas de um pesar calmo e reflexivo — um anseio quase físico — que convida à contemplação. Esse é o efeito central da obra recente de Fabiano Senk, e é justamente essa qualidade que faz com que suas pinturas lisboetas pareçam íntimas e inevitáveis.
Passei toda minha carreira organizando exposições e fazendo curadorias em três continentes, buscando artistas emergentes e aqueles cujo trabalho ainda não recebeu a devida atenção. Também atuo como orientador e mentor de artistas: durante décadas, dei palestras e ministrei seminários em 19 escolas de arte e universidades nos Estados Unidos e na Europa e, nos últimos cinco anos, realizei residências individuais e focadas em Lisboa, Nova York e São Paulo. Essas atribuições paralelas — curador e orientador — moldam a forma como encontro a arte e como imagino que o público a vivencie. Elas são as lentes através das quais entrei pela primeira vez no ateliê de Fabiano Senk.
A prática de Senk tem origem em uma linhagem visual brasileira, enraizada na tradição do Vale do Jequitinhonha e em uma interação sofisticada entre a pintura de rua e a produção em ateliê voltada para galerias. No ateliê, vi essas influências imediatamente, mas foi apenas quando me deparei com suas telas mais recentes que toda a força do seu tema ficou clara: uma prolongada meditação sobre o céu. Essas pinturas fazem mais do que retratar a atmosfera; elas investigam a luz em si e os estados emocionais que ela pode gerar.
Lisboa é uma cidade de luz extraordinária. Edifícios em tons de areia quente e pastel refletem o sol de maneiras que jamais vi em outro lugar. As colinas e os miradouros da cidade — os terraços de Alfama, as vistas sobre o Tejo — oferecem uma coreografia de cor e distância que reordena continuamente a percepção. Para um artista como Senk, atento à superfície e ao tom, uma residência de três meses tornou-se um convite rigoroso para estudar as propriedades da luz: vagar pela cidade, observar, permitir que a cor e o ar de Lisboa alterassem a paleta e o ritmo de seu trabalho.
Essa luz, no entanto, é inseparável de uma melancolia cultural. O fado lisboeta – íntimo, lúgubre e centrado na saudade – infunde na cidade uma sensação de anseio nostálgico. A justaposição das fachadas banhadas pelo sol e das canções melancólicas produz uma topologia emocional complexa: beleza transformada em dor. Por trás desse efeito está a história da cidade — marcadamente a devastação do terremoto de 1755, o tsunami e os incêndios que se seguiram — e as maneiras como a perda e a reconstrução estão inscritas em suas ruas e arquitetura. As pinturas de Senk absorvem esses estratos: são luminosas e elegíacas a um só tempo.
Durante sua residência na LUZ_AIR Lisboa, Senk realizou uma série de pinturas extraordinárias que ampliam e enriquecem a “bela melancolia” que já é uma marca de sua produção. Ele traduz a granularidade urbana de São Paulo e a clareza atmosférica de Lisboa em obras que abarcam essas duas geografias. Suas telas não apenas transplantam a luz de uma cidade para o registro de outra; elas negociam um diálogo entre histórias, texturas e memórias tonais. Nelas, o céu não é o pano de fundo, mas o protagonista — carregando peso, espírito e memória.
E em todas elas há figuras ternamente pensativas e taciturnas que relembram histórias de origem humilde enraizadas na particularidade do Jequitinhonha, mas que poderiam ser de qualquer região rural do planeta.
O que é notável nessas pinturas é sua contenção. Senk resiste ao espetáculo; em vez disso, ele propõe uma intimidade silenciosa e dolorosa. A cor é moderada à sugestão, as pinceladas oscilam entre o vigor das ruas e o equilíbrio do ateliê, e as composições permitem que o espaço negativo seja tão expressivo quanto a tinta. O resultado é um conjunto de obras formalmente rigorosas e emocionalmente generosas, uma arte que convida a um olhar prolongado e, em troca, produz uma tristeza lenta e ressonante cuja sensação é — precisamente — bela e pungente.
Como curador e mentor de residências, valorizo trabalhos que perpassam diferentes contextos, que podem ser revistos em novas cidades e ainda assim conseguem comunicar. As telas lisboetas de Fabiano Senk fazem exatamente isso: elas estão enraizadas em uma luz e uma história específicas, mas alcançam modos universais de anseio e percepção. Elas são um convite — para caminhar pelos montes, ouvir fado, pensar em como a luz e a perda moldam o que vemos — e confirmam para mim que os ambientes de residência, quando bem compatibilizados com os interesses de um artista, podem resultar em obras transformadoras. - Simon Watson
Serviço:
Senk — Ateliê Aberto & Vernissage
Curadoria: Simon Watson
Sexta-feira, 24 de outubro | 16h-20h
Av. Padre Manuel da Nóbrega 14, suíte 2D, Areeiro — Lisboa
Fonte/Imagem-divulgação: Assessoria de Imprensa - Legenda: Senk, Série - Lady of the Night, 2025, Acrílico e folha de ouro sobre tela, 90 x 70 cm

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