Figura de singular trajetória
nas artes plásticas brasileiras, Farnese de
Andrade é autor de uma obra potente, que toma o
observador por sua força e fragilidade, ao
mesmo tempo em que o perturba com certa
morbidez. A partir do dia 23 de março, o público poderá conferir de perto as
dualidades que marcam sua produção na mostra Farnese de
Andrade – Memórias Imaginadas, realizada pela galeria Almeida e Dale, em São
Paulo, até 25 de maio.
Com curadoria de Denise Mattar,
a exposição reúne cerca de 70 obras, lançando nova luz à obra do artista de
origem mineira ao incluir pinturas, desenhos e gravuras e colocá-las ao lado de sua inquietante produção
tridimensional, sem paralelo na arte
brasileira. Do conjunto apresentado, cerca de 35 trabalhos são bidimensionais,
criações de diferentes períodos da vida do artista.
Ganham destaque as enigmáticas
figuras femininas, para as quais o artista usava rapazes como modelos. Há ainda
uma amostragem de gravuras e desenhos na qual se destaca Censura, obra responsável
pela premiação de Farnese em 1969,
no Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM) - exposição organizada pelo então
Ministério da Educação e Saúde e o Museu Nacional de Belas Artes.
"Sua gravura é plena de texturas, cortes abruptos e contrastes
de luz e sombra. Sem tirar a pena do papel
realizava compulsivamente os nanquins intitulados Obsessivos, de
quase inacreditável precisão", afirma Denise Mattar. Para realizar seus
desenhos a cores, Farnese desenvolveu ainda uma
técnica refinada que chamava de "tinta transformada", com um
resultado que os aproxima da pintura. "São trabalhos densos, ambíguos,
permeados por uma sensualidade perversa e imersos
numa sufocante ourivesaria visual", completa a curadora.
Em 1964,
o artista, que já era reconhecido e premiado
pela qualidade de seus desenhos e gravuras,
passa a desenvolver trabalhos aos quais chama de "impressão manual de
formas", técnica que consistia na criação
de carimbos confeccionados a partir de madeiras carcomidas, sandálias
velhas e apetrechos curtidos pelo sol e sal, devolvidos pelo mar. A pesquisa desses materiais,
até então utilizados como matrizes para a criação de gravuras singulares, acaba
por conduzir Farnese a seus objetos.
O artista passa então a coletar
fragmentos vários, encontrados num primeiro momento na praia e, posteriormente, comprados numa espécie de compulsão.
Arrebatado por uma ânsia por capturar sua própria história e mergulhar em suas memórias imaginadas, aprisiona tudo aquilo
que é coletado em caixas,
gavetas, oratórios e semelhantes, criando assemblages que
nunca são dadas por terminadas - processo interrompido apenas com venda das
peças, o que o artista fazia a contragosto, recomprando-as por vezes.
A exposição organizada
pela galeria Almeida e Dale reúne 35 objetos
de Farnese, explicitando as várias facetas desta
produção singular, comparável à de artistas surrealistas como o alemão Hans
Bellmer e o americano Joseph Cornell. São
trabalhos de séries emblemáticas, realizadas entre 1966 e 1995,
entre as quais Viemos do Mar, O Anjo Anunciador, Anunciação, São
Jorge e Cosme e Damião.
As assemblages de Farnese tratam de questões como a memória, o tempo, a
vida e a morte, o masculino e o feminino, o pecado e o
castigo. São combinações antagônicas de segredos e revelações,
medo e malícia, delicadeza e crueldade.
Ao mesmo tempo em que a finitude humana é escancarada por bonecas fragmentadas e cabeças suspensas no ar, a religião é questionada
quando faz uso de ex-votose santos paralisados,
cortados, virados de ponta cabeça.
"[Farnese]
usa oratórios, caixas e gamelas como
continentes de uma turbulência mental mórbida, cujo grito sai abafado. São
trabalhos potentes, mas claustrofóbicos, que remexem sem dó nas entranhas do
inconsciente, e por isso fascinam, encantam,
assustam e incomodam", afirma Denise Mattar.
Quase fazendo eco à sua produção
incomum, o trabalho de Farnese tem uma
ressonância ambígua junto à crítica de arte. Apreciada por críticos
contemporâneos como Tadeu Chiarelli, Helouise Costa, Ana Paula Nascimento,
Rodrigo Naves, Charles Cosac, entre outros, ele é,
quase sempre, excluído das grandes retrospectivas da arte brasileira. "Em parte, isso ocorre porque grande parcela da crítica
atribui apenas às tendências construtivas o encontro de um caminho próprio para
a arte brasileira, mas pesa também uma questão mais antiga: a rejeição à matriz
surrealista, que acontece desde de Mário de Andrade", pontua a curadora.
Reunindo obras de coleções
particulares do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco,
a exposição Farnese de Andrade –
Memórias Imaginadas oferece ao público uma rara oportunidade para a
apreciação de um conjunto integral da obra do artista, possibilitando um
mergulho em seu mundo de fantasias construídas.
Sobre o artista
Nascido em Araguari (MG), em 1926, Farnese de Andrade é acometido por tuberculose ainda muito jovem, aos 18 anos de idade. A doença lhe dá uma aposentadoria precoce e ele então começa a estudar desenho com Alberto da Veiga Guignard, na Escola do Parque, em Belo Horizonte, onde então vivia com sua mãe, Maria de Andrade, a dona Mariquinha.
Em 1948,
depois de um período afastado para um tratamento de saúde, conclui o curso de
desenho e muda-se para o Rio de Janeiro. Lá,
descobre não estar completamente curado da tuberculose e interna-se,
por quase dois anos, no Sanatório de Correas, em Petrópolis,
no Rio de Janeiro.
Curado da doença, passa a fazer
ilustrações para jornais, revistas e livros. Em 1959, estuda gravura em metal
com Johnny Friedlander e Rossini Perez, no ateliê do
Museu de Arte Moderna do Rio. Participa de várias edições do Salão Nacional de
Arte Moderna, da VI, VII e IX Bienal de São
Paulo, XXXIV Bienal de Veneza, II Bienal da Bahia, entre outras.
Em 1969,
recebe o Prêmio de Viagem ao Exterior no Salão Nacional de Arte Moderna e reside em Barcelona por
4 anos. No retorno ao Brasil, intensifica sua produção tridimensional, que
viria a se tornar a sua marca.
Farnese de
Andrade falece em julho de 1996, aos 70 anos de
idade, no Rio de Janeiro.
Serviço
Farnese de Andrade – Memórias Imaginadas
Local: Galeria Almeida e Dale
Endereço: Rua Caconde, 152 | Jardim Paulista – São Paulo
Abertura: 23 de março, das 11h às 14h
Período expositivo: a partir de 25 de março
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h
Telefone: 11 3882-7120
Entrada gratuita
Foto/Crédito: Sergio Guerini
Fonte:
Assessoria de Imprensa
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