Para a perspectiva winnicottiana, desenvolvida pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott, “não ser visto pela mãe significa não existir”. É a partir dessa premissa que a escritora paraibana Cibele Laurentino (@cibelelaurentino) desenvolve seu quarto livro, o romance de formação “Eu, Inútil” (136 pág.), que retrata as agressões físicas e psicológicas de uma mãe e as consequências do apagamento cotidiano e violento no desenvolvimento da filha.
A obra, publicada por enquanto apenas em formato e-book, concorre à 7ª edição do Prêmio Kindle de Literatura, promovido pela Amazon e pelo Grupo Editorial Record. Além da premiação em dinheiro, o romance vencedor será publicado pela Record. A ganhadora da 6ª edição, Vanessa Passos, autora do livro “A Filha Primitiva”, assina o prefácio da obra de Laurentino e destaca a relevância das personagens mulheres em obras contemporâneas. “As mulheres passaram a ser centrais tanto na escrita dos próprios livros quanto como personagens centrais das obras”, afirma Passos.
No caso de “Eu, Inútil”, a narrativa se concentra na relação entre o par de protagonista-antagonista, respectivamente Madalena (filha) e Helena (mãe), mas também aborda a perspectiva de gênero e classe de personagens secundárias, como a funcionária Dolores e Marina, madrasta da protagonista. Aline, professora infantil, representa a importância da equipe escolar para identificar primeiramente agressões e outras violências domésticas. É a educadora que contesta a afirmação de Helena de que sua filha apresentaria problemas cognitivos e dificuldades de aprendizagem – um dos traços de maternidade narcísica simbolizados na obra.
A história narra o crescimento de Madalena, em um recorte que se estabelece entre a fase escolar e o início da vida adulta. No relato, realizado em primeira pessoa e com o suporte da escrita de diários, acompanhamos a busca da protagonista em ser amada e aceita pela mãe, que a agride e a desumaniza, reiterando que a filha é uma inútil. Pela perspectiva infantil, enxergamos o excesso de proteção da mãe, que se mescla com desamor, agressões verbais e físicas e culpabilização da filha pelas próprias frustrações amorosas com o pai da menina. “Quando eu crescer não quero casar nem ter filhos. Deus que me deixe livrinha!”
Alfredo, o pai que Madalena acredita tê-la abandonado a partir da narrativa materna, ressurge na vida da família, para retomar o contato e disputar a guarda da criança. As reflexões de Madalena, ingênuas e alheias ao abuso da mãe, aos poucos e com a ajuda da psicoterapia, vão dando lugar a uma Madalena empoderada, que passa a entender a violência da qual foi vítima. Para a editora e escritora Juliete Vasconcelos, a obra se destaca por retratar a realidade de tantas Madalenas, “crianças que sentem na pele o desamor de uma mãe e precisam lidar com as mazelas de um ‘lar’ adoecido”, ressalta.
O trabalho de Laurentino envolveu pesquisas para entender o comportamento de mães narcisistas. A motivação, de acordo com a autora, foi a observação do comportamento humano e o relato de uma filha, que, a princípio, foi refutado pela escritora. “Sempre romantizei a maternidade, mas quando conheci a mãe dessa pessoa, notei que algo realmente não estava certo. Então, passei a me interessar pelo assunto”, conta. Durante cerca de um mês, a escritora pesquisou e entrevistou psicanalistas, psicólogos, filhas de mães narcisistas, mas também visitou as próprias memórias. “Não escolhi o tema, foi ele que me atravessou, como filha, mulher e mãe”, assinala.
O processo de produção contou ainda com leituras críticas e de leitores betas. Entre as referências que a ajudaram a compor a obra, Laurentino cita “Tudo é Rio”, de Carla Madeira, “Pequena Coreografia do Adeus”, de Aline Bei, “A filha primitiva”, de Vanessa Passos, e “Com armas Sonolentas: Um romance de formação”, de Carola Saavedra. Filmes e documentários também foram fundamentais para a composição do romance, entre eles, “Sonata de outono”, “A filha perdida” e “Mamãe morta e querida”.
Nas páginas do romance, Laurentino costura os mecanismos de punição e autodefesa de uma mãe narcisista, incluindo o cerceamento e isolamento da filha, para supostamente protegê-la de perigos e inimigos imaginários. Outras características que transparecem na personagem materna são a opinião elevada sobre si, a falta de empatia e a necessidade sempre constante de inferiorizar física e intelectualmente a filha. A mãe se expressa constantemente por monólogos autocentrados, em que a voz da filha nunca aparece, apenas é retaliada. “Se você soubesse o quanto me irrita esse seu choramingo. Está apanhando, por acaso? Ah, ainda está doendo? Aprendeu, pelo menos? Olhe só o que você faz comigo. Estava calma, serena”, diz um trecho da obra.
“Escrevo ficção a partir da realidade que vejo” – a literatura de Cibele Laurentino
“Eu, Inútil” é a quarta obra de Cibele Laurentino, que estreou na literatura com “Cactus: poesias, sentimentos e emoções”, obra em que explora sentimentos, momentos e dores de forma modernista. O segundo livro, para o qual prepara uma continuação, é “Nobelina”, romance regionalista premiado em 2021 pelo Edital Maria Pimentel, da Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba. A autora escreveu ainda a coletânea de contos “Todas em mim”, que permeia o universo feminino. Discorrer sobre a vivência de mulheres, aliás, é o mote de suas obras. “Escrevo ficção dentro da realidade que vejo e que me toca, principalmente o feminino, independentemente do gênero textual”, afirma.
Além de produzir livros, Laurentino é uma entusiasta da divulgação de outras autoras mulheres. É idealizadora do projeto “Conversando com escritoras”, por meio do qual divulga a obra de autoras brasileiras contemporâneas nas mídias sociais. Para Vanessa Passos, a perspectiva de gênero é um dos pontos que devem ser destacados ao se ler mulheres contemporâneas. “Quando o homem escreve, em geral, pela crítica literária, os temas são considerados universais, já o que as autoras escrevem é nomeado de ‘literatura feminina’. A maternidade é, sem dúvida, um tema universal, devendo, portanto, ser lido em livros por homens e mulheres, por todos aqueles que apreciam boa literatura”, indica Passos.
Sobre seus processos de escrita, Laurentino explica que desenvolve seus textos de forma rápido e doloroso. “Assumo o papel dos meus personagens: sofro ou me alegro com eles”, resume. As referências da autora passeiam entre escritoras mulheres, como Adélia Prado e Clarice Lispector, assim como os escritores Valter Hugo Mãe, Mia Couto, Joaquim Manoel de Macedo e Ariano Suassuna.
A escrita, que começou na infância, sofreu a influência ainda da poesia de seu pai, Zé Laurentino, poeta popular e cordelista paraibano No entanto, ela reforça que o legado de ser filha de um escritor nem sempre foi positivo. “Tinha vergonha de mostrar meus textos, por me comparar com ele, que tinha versos extremamente rimados e metrificados, enquanto minha poesia sempre fluiu em versos livres”, relembra.
Em 2019, em luto pela perda do pai, decidiu criar seu canal no Instagram, com mais de 40 mil seguidores, com intuito de continuar divulgando a poesia de Zé Laurentino e, consequentemente, apresentar-se como escritora. “À medida que as postagens passaram a ser curtidas e compartilhadas, fui me sentindo segura, até selecionar meus textos e publicar meu primeiro livro de poesias”, rememora. Depois disso, segundo ela, a escrita fluiu e se aperfeiçoou até chegarem as novas criações.
Formada em Gestão em Turismo, Cibele Laurentino atua na área e se dedica à literatura. Atualmente, é estudante de Letras na Uninter, faz cursos de escrita criativa e é curadora do prêmio Book Brasil 2021. Para conciliar as atividades com a literatura, ela explica que escreve “rasgando espaços na vida”. “Gostaria de ter rotina e talvez um planejamento, mas não acontece comigo. Eu faço acontecer”, explica.
Confira um trecho de “Eu, Inútil”
“— Às vezes as palavras machucam mais que uma pisa.
Visitar a casa de mainha era o mesmo de visitar minhas dores: cada cômodo da sua casa representava um espancamento, uma dor, uma humilhação, uma palavra de desamor. Naquela idade, eu já conseguia perceber que muitos dos avanços conquistados em terapia iam se dissolvendo a cada minuto na presença dela. Eu tentava me sentir forte, mas era impossível não ser invadida por uma onda de medo paralisante quando ela olhava para mim.”
Compre “Eu, Inútil” via Amazon: https://amzn.to/3AnMHBM
Fonte: Assessoria de imprensa da escritora Cibele Laurentino
Postar um comentário