MALUCOS DE ESTRADA QUEREM RECONHECIMENTO DA SUA ARTE

Conhecidos no senso comum comohippies (denominação rejeitada pelo movimento), os malucos de estrada são protagonistas de uma expressão cultural com códigos morais específicos, estética própria e estilo de vida marcado pelo nomadismo, postura marginal (à margem do sistema) e expressões culturais características, que podem ser vistas, por exemplo, nas peças de artesanato expostas e comercializadas por eles em espaços públicos das cidades brasileiras.

Nessa terça-feira (11), o Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), receberam cerca de 60 malucos de estrada na sala Cássia Eller, em Brasília, com o objetivo de ouvir as principais demandas do grupo.
 
Com o objetivo de buscar o reconhecimento do trampo de maluco– conjunto de técnicas artesanais, saberes e fazeres relacionados à cultura de estrada – como patrimônio da cultura popular brasileira, o grupo se organizou para apresentar a demanda ao MinC e entender os procedimentos necessários para que isso ocorra.

“Nosso movimento tem mais de cinco mil malucos”, contou Piauí Ecologia, um dos representantes do movimento. “Hoje, muitos malucos já tem suas famílias. Há jovens aqui que são filhos de maluco. Estamos crescendo e passando nossa cultura para as próximas gerações e queremos reconhecimento”, completou.
 
“Somos os hippies de hoje. Somos a galera que está na BR levando a cultura para rua e construindo a nossa história”, afirmou Jansen Nascimento, também integrante do movimento. “Em todo lugar, a gente chega e leva a arte”, pontuou.

Para Rafael Lage, estudioso do movimento, é importante entender que o maluco de estrada é portador de um patrimônio imaterial. “Maluco não vende trampo, vende ideia. Eles trazem uma memória ancestral do mundo”, considera. Rafael desenvolve um trabalho de pesquisa e registro dos malucos chamado Beleza da Margem e protagonizou, em Belo Horizonte, um processo que culminou em um precedente jurídico que concede aos malucos o direito ao exercício da sua identidade cultural.

Para o estudioso, existe uma dificuldade institucional de reconhecer as manifestações periféricas e garantir a liberdade para elas. “O Estado não tem que fazer bem nenhum para a malucada, basta não fazer o mal”, afirmou, ao falar sobre a repressão vivenciada pelos malucos.
 
Vários malucos participaram do debate com o MinC e contaram histórias pessoais, como o caso de Zulmira Vicente de Lima Neta, que, depois de 30 anos na estrada, resolveu entrar em uma universidade para mostrar aos filhos que era capaz de viver conforme os padrões da sociedade. “Hoje trabalho em um hospital infantil com crianças e nunca sofri preconceito por ser maluca, muito pelo contrário, todos lá me adoram”, contou.

A secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC, Ivana Bentes, ressaltou que a SCDC é a instância do MinC que trabalha com as minorias e deve abrir as portas para todos os grupos culturais. “Somos uma secretaria pé na estrada também, estamos desde o início do ano rodando o Brasil e estamos de olho nessas experiências coletivas. Vocês são uma mostra de quem não se acomodou com o sistema”, afirmou. Ivana lembrou também que, da mesma forma que irá ajudar a garantir os direitos dos malucos de estrada, também faz isso com os povos indígenas, quilombolas e ciganos, entre outros grupos da diversidade cultural brasileira.

A coordenadora de Registro do Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan, Diana Dianovsky, informou aos malucos de estrada que o órgão está sempre aberto para ouvir demandas de grupos da sociedade brasileira que veem na sua identidade e na sua prática um patrimônio. “A gente trabalha com quatro categorias para patrimônio: saberes, lugares, formas de expressão e celebrações. Temos três formas de reconhecer esses patrimônios: a identificação, o registro de símbolos formais do Brasil e as ações de apoio e fomento”.

Ela orientou o movimento a endereçar carta à presidência do Iphan solicitando abertura de processo para que se dê início às discussões para avaliar a viabilidade de reconhecimento dos saberes e fazeres dos malucos de estrada como patrimônio cultural brasileiro.
 
Rafael Lage encerrou o debate reconhecendo que há margem de diálogo com as instituições governamentais e agradecendo a abertura do Ministério da Cultura para a pauta. “Se a gente vai chegar ou não em algum lugar não depende do governo. Depende da malucada e temos que nos organizar para isso”.

Na foto a Secretária Ivana Bentes recebeu integrantes do movimento em Brasília (Crédito: Oliver Kornblithh).
 
TEXTO: SCDC/MinC
 

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