Pintura ou fotografia? Real ou
virtual? As obras do francês Jean-François Rauzier costumam despertar esse tipo
de dúvida no observador. A resposta não é única. Em seu trabalho, o artista
mescla fotografia e manipulação digital para criar novas imagens, de tons
surrealistas. Suas obras coloridas, ricas em detalhes, poderão ser conferidas
na mostra Hiperfoto - Brasil que o Centro Cultural São Paulo
(CCSP) recebe a partir de 15 de março.
Com curadoria de Marc Pottier e
idealização de Bertrand Dussauge, o projeto chega à capital paulista depois de
ter passado pelas cidades do Rio de Janeiro, Brasília e Salvador. A edição de
São Paulo apresentará ao público cerca de 100 trabalhos, entre hiperfotos e
hipervídeos – parte deles ainda inéditos, recriações de uma série de espaços da
cidade. A mostra é parte de uma iniciativa que o artista desenvolve em diversas
metrópoles do globo desde 2002, quando começou a desenvolver suas primeiras
hiperfotos.
Frustrado com as limitações
técnicas da fotografia e inspirado por Polaroid, de David
Hockney, Rauzier encontrou na digitalização da prática um universo de
possibilidades. Com sua máquina a tiracolo, ele roda o mundo em busca das
particularidades do patrimônio mundial, fotografando de monumentos históricos a
detalhes que poucos enxergam. Em apenas um dia de trabalho, dispara até dez mil
cliques, numa ânsia por retratar todos os ângulos possíveis do local.
De volta ao seu estúdio, o artista
dá início a um exaustivo processo de colagens, combinando as imagens umas às
outras. Os trabalhos, que também contam com inserções de efeitos visuais,
lembram composições cubistas, com inúmeros fragmentos de paisagens. A técnica
foi batizada como hiperfotografia, em referência ao termo hiper-realismo
adotado pelo psicanalista francês Jacques Lacan, para quem a realidade humana é
constituída pela articulação do real, do simbólico e do imaginário.
O curador da mostra destaca o
caráter híbrido, quase fantástico, das obras de Rauzier: "A palavra
intensidade se adéqua perfeitamente a seus trabalhos. Suas fotografias,
impressas em formatos enormes, intensificam o mundo sobre o qual ele lança seu olhar,
criando uma espécie de casamento entre o macro e o micro, o virtual e o real.
Desta maneira, ele nos mostra uma versão original e excepcional das cidades,
das paisagens e dos assuntos que aborda", afirma Marc Pottier.
O panorama de um país
Nos últimos quatro anos, o artista
francês tomou o Brasil como protagonista de seus trabalhos. Neste período,
registrou a exuberância do Rio de Janeiro, o sincretismo de Salvador e a
arquitetura imponente de Brasília. Na última fase de seu projeto no País,
Rauzier decidiu apontar suas lentes para São Paulo, retratando a arquitetura, o
cotidiano e as contradições da megalópole.
Em Veduta SP1, por
exemplo, o artista reúne centenas de casas clássicas e edifícios modernistas da
capital. Em uma única imagem, o espectador tem uma visão panorâmica da
arquitetura paulistana, onde a Igreja da Sé, o Masp e o Auditório do Ibirapuera
se fundem a casarões dos séculos passados. Já em Veduta SP2,
Rauzier apresenta milhares de espigões da cidade, registros do fotógrafo
realizados a bordo de um helicóptero Helibras. Juntos, os trabalhos revelam
"a memória do patrimônio de uma cidade inteira, em um grande
formato", pontua o artista.
Em suas caminhadas, o fotógrafo
construiu um olhar bastante particular sobre a capital e seus contrastes.
"Sem dúvida nenhuma, São Paulo é a metrópole latino-americana que mais se
aproxima de Nova York, se dividindo em dois estilos arquitetônicos bastante
distintos: se por um lado temos casas e mansões construídas desde o século XIX,
do outro, encontramos edifícios monumentais no estilo concretista do
pós-guerra", pontua o Rauzier, chamando atenção para a intensa
verticalização que os bairros têm experimentado nos últimos anos.
O fotógrafo recompôs também a Passagem
Literária, espaço subterrâneo sob a rua da Consolação que reúne sebos de
livros, exposições e, eventualmente, recebe apresentações musicais. O caráter
underground do local impressionou o artista, que decidiu retratá-lo em diversos
cliques. Os livros e cartazes, representados em perspectivas distintas, formam
um grande mosaico colorido.
Grande marca de São Paulo, a arte
urbana também chamou a atenção do francês, para quem o grafite é o principal
termômetro de uma democracia e da relação da juventude com a própria cidade. A
seu ver, a maneira como se expressam sobre os muros diz muito sobre seus
sonhos.
A mostra traz ainda um conjunto de
hipervídeos que, em formato audiovisual, reproduzem o mesmo efeito das
fotografias. Inúmeros fragmentos do cotidiano de São Paulo são combinados e
multiplicados, revelando ao expectador a vitalidade daquela que é tida como a
mais influente cidade da América Latina. Em um dos vídeos, por exemplo, o
artista imortaliza os grafites da Avenida 23 de Maio, apagados em 2017 pela
Prefeitura e recentemente substituídos por jardins verticais.
Na exposição que chega ao CCSP, o
fotógrafo faz ainda uma grande homenagem aos brasileiros. Na série Caminhada
Brasileira, Rauzier apresenta os vários personagens anônimos que encontrou
ao longo de suas andanças pelas quatro capitais do País. Em um vídeo, essas
figuras são retratadas em tamanho real, permitindo aos visitantes da mostra o
reconhecimento da identidade de seu povo.
Hiperfoto – Brasil encerra
o projeto iniciado por Rauzier em 2015, reunindo não apenas obras inéditas que
retratam São Paulo, mas também amostras do trabalho apresentado nas outras três
capitais do País por onde o fotógrafo passou. A exposição, que segue em cartaz
até 6 de maio, traz ao público um registro documental do Brasil do século XXI.
Mais do que isso, vislumbra a construção de cidades utópicas e oníricas, onde o
belo prevalece.
SOBRE:
FOTÓGRAFO
Nascido em Sainte-Adresse, na
França, Jean-François Rauzier começou a fotografar aos 23 anos de idade.
Trabalhou como pintor e escultor ao longo de três décadas. Criou em 2002 a
técnica da Hiperfotografia, sob a qual já registrou detalhes de espaços como
bibliotecas, castelos e igrejas de 15 cidades do mundo, entre Paris, Barcelona,
Istambul, Nova York e Veneza.
O fotógrafo foi vencedor do prêmio
Arcimboldo, em 2008, e o prêmio APPPF em 2009. Sua obra já foi exibida em
instituições como a Fundação Annenberg de Los Angeles; o Palácio das
Belas-Artes, de Lille; e MOMA de Moscou. Tem trabalhos de sua autoria em
importantes coleções de arte contemporânea, entre as quais a Louis Vuitton e do
Instituto Cultural B. Magrez.
CURADOR
Marc Pottier nasceu em Dijon, na
França. Atualmente, se divide entre Paris e Rio de Janeiro. Desde 2007, é
curador independente. Organizou importantes exposições, tais como Aleksander
Rodchenko, no MAM-SP, Cerâmicas de Picasso, na Casa
França-Brasil, no Rio de Janeiro e Luzboa – a bienal da Luz, em
Lisboa.
É autor do livro Made by
Brazilians (Enrico Navarra Publisher) com relatos de 230 pessoas que
representam o mundo da arte contemporânea brasileira. Foi curador convidado da
3ª Bienal da Bahia, em 2014, e curador responsável pela invasão criativa Made
by... Feito por Brasileiros, na Cidade Matarazzo, em São Paulo.
O curador é ainda idealizador do
programa Olhar Estrangeiro, produzido e exibido pelo canal Arte
1. Recentemente, assinou curadoria do MarinaMonumental,
projeto que reúne obras de importantes nomes da arte contemporânea em uma
grande exposição a céu aberto, realizada na Marinada
Glória, no Rio de Janeiro.
IDEALIZADOR
Bertrand Dussauge é fundador da KDB
PARTNERS, produtora de projetos culturais com unidades em Bruxelas, Paris e Rio
de Janeiro. Empresário apaixonado pela diversidade cultural, foi responsável
por, ainda nos anos 1980, convencer a galeria parisiense Louise Leiris a
emprestar obras de Pablo Picasso ao MASP. A parceria resultou na primeira
grande retrospectiva de gravuras do pintor espanhol no País, com a reunião de
mais de 350 delas.
Na década 1990, organizou o Prêmio
Schlumberger de Arte Contemporânea junto à Escola de Artes Plásticas de Paris.
Nos anos 2000, conheceu Jean-François Rauzier, parceiro que o inspirou na
criação da NeoKid, associação que visa apoiar instituições que dão suporte a
crianças em situação de vulnerabilidade social.
SERVIÇO
Hiperfoto - Brasil,
individual de Jean-François Rauzier
Local: Centro Cultural São Paulo
Endereço: Rua Vergueiro, 1000
Abertura: 15 de março, a partir das 18h
Período expositivo: de 16 de março a 6 de maio
Visitação: Terça a sexta, das 10h às 20h | Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Fonte/Imagem-reprodução/divulgação:
Assessoria de Imprensa – Legenda: Passagem Literária da Consolação, 2017, Jean-François
Rauzier.
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